03/10/10

37. Ele, o menino infeliz

SU'HGONÇALVES

Ele aparentava ser uma criança como todas as outras, até porque num parque infantil tudo o que tem menos de um metro faz parte do mesmo mundo. Mas ele não era igual aos outros, nunca foi nem nunca será.
Sempre foi um rapaz muito educado, inteligente e com vontade de aprender. Sempre gostou de jogos de lógica, sonhava ser cientista e a única coisa que detestava na altura era quando tinha de comer peixe com legumes. E infelizmente sempre viveu emoções muito dolorosas. Infelizmente na medida em que a sua infância foi quebrada, até porque sem tristeza não sabemos dar valor á alegria.
Ele começou por ver que os adultos não são tão responsáveis como parecem. Aos sete anos ele viu o seu progenitor entrar e devastar a sua casa, bem como a sua mãe. Foi nesse momento que soube também que os seres humanos também têm instintos e meteu-se á frente da sua criadora para evitar mais estragos. A dor do candeeiro que lhe caiu nas costas foi muito menor do que a dor que sentia por não saber quanto tempo é que aquela luta ia durar.
Felizmente alguém ouviu a sua voz, ainda aguda e conseguiram tirar o monstro do cenário do filme de terror que estava instalado na sua casa.
Desculpou o seu pai e seguiu o seu caminho, já mais maduro e com uma marca no corpo e na mente. Essa marca fazia com que ele chorasse por dentro cada vez que via o seu pai mais alegre e com uma cara rosada, pois ele nunca conseguiu apagar da memória aquelas imagens de quando tinha sete anos.
Não demorou muito até decobrir a traição, outro pecado não mortal. Desta vez tinha já doze anos , pelos no corpo e um estilo muito roqueiro. As pessoas a quem ele chamava amigos desconfiaram dele e desfizeram-no de acusações e insultos. Ele tinha confiança nessas pessoas, ele imaginou viagens de finalistas com essas pessoas, ele sonhava com o dia em que ia apanhar a sua primeira bebedeira com essas pessoas. Mas ele, novamente, estava enganado em relação ao ser humano. Ficou com uma nova ferida , também muito dolorosa e que nunca foi curada, apesar de ter recebido, passado uns anos, um pedido de desculpas.
Ele tinha realmente pouca sorte, ou então o destino queria que ele fosse a única criança a saber o que é a dor durante a idade dos porquês.
O seu pai voltou a fazer das suas e ele com dezoito anos ainda via cenas de pancadaria em casa. Nessa última vez a sala foi resumida a vidros e sangue espalhados pelo chão e pelas paredes. Ele chegou mais tarde a casa e não pode impedir que a ferida que a sua mãe tinha na perna fosse feita. Dessa vez ele agrediu o pai e implorou para que a mãe fugisse. Ela não saiu de lá, ele chorava e berrava como se o mundo fosse acabar ali. Lembrou-se da vez em que ele conseguiu parar o pai por lhe dizer que ele era o pior ser do mundo, isto com treze anos. Berrou a mesma frase mas desta vez os ouvidos do seu pai só devem ter ouvido 'és o ser do mundo' e deram-lhe mais força para destruir. Ele só queria salvar a mãe e não a traumatizar, mas teve de o fazer. Empurrou o seu pai, ele caiu, e felizmente , como a bebida afecta o equilibrio não se levantou e deu tempo para ele pegar na mãe e furgir.
No dia segunte voltou a casa e os seus pais separaram-se. Os votos de amor e promessas de felicidade eterna também são algo que ele não acredita.
E depois de toda a sua fase de alegria ter sido adiada por um compromisso de terror, depois de todos os ideais de amor e amizade destruídos, ele viu as luzes da sala da maternidade. Voltou a nascer, mas desta vez sem coração pois não quis sofrer mais.
Porque quando alguém vê a dor antes do tempo, vê também a morte no fim do caminho para casa.

Su'hGonçalves, estreia num texto sobre Ele, o menino infeliz

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada pela visita :)
Diz-me tudo o que me tens a dizer ♥ :

para comentares e/ou citares sugestões clica no título do post. obrigada.